Por Carlos
C. Paixão Côrtes (Filho do J.C. Paixão Côrtes)
Foto Zulema Paixão |
João
Carlos D’Ávila Paixão Côrtes, nascido em Santana do Livramento, fronteira seca
do Rio Grande do Sul com Rivera (Uruguai), em 12 de julho de 1927, é engenheiro
agrônomo, folclorista, radialista e dedicado pesquisador da cultura, hábitos e
costumes populares do Rio Grande do Sul e do Brasil, os quais registrou em
dezenas de publicações e discos. Formado em agronomia, teve sua vida
profissional ligada à Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul, onde
desenvolveu trabalhos relacionados com a ovinotecnia, com destaque para a
introdução da tosquia australiana e a tipificação de carcaças.
Em
1947, liderou os estudantes que fundaram o Departamento de Tradições Gaúchas do
Grêmio Estudantil do Colégio Júlio de Castilhos em Porto Alegre, célula-mater
do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Esse núcleo estudantil foi o centro
agregador para um grupo de jovens que protagonizaram pioneiramente momentos
marcantes na história do tradicionalismo. Ele e sete companheiros, trajados e
montados tipicamente à gaúcha, algo inédito na época, formaram o “Piquete da
Tradição” que desfilou, em Porto Alegre, fazendo a guarda de honra da urna
funerária dos restos mortais do general farroupilha Davi Canabarro.
Este
Departamento criou, durante a primeira Ronda Crioula, uma série de solenidades
culturais e cívicas que deram origem aos símbolos da Chama Crioula e do
Candeeiro Crioulo e que inspiraram a criação da Semana Farroupilha. Participou
ativamente do grupo, onde estavam presentes Barbosa Lessa e Glaucus Saraiva,
que fundou o “35 Centro de Tradições Gaúchas”, o primeiro CTG, compondo a
primeira diretoria como Patrão de Honra. Estima-se que existam mais de 4.000
entidades gauchescas de diferentes constituições (CTGs, piquetes, grupos de
danças e conjuntos musicais, etc.) que congregam cerca de 5 milhões de pessoas
no Rio Grande do Sul, em quase a totalidade dos estados do Brasil, e em
diversos países da Europa, da América do Norte e da Ásia.
Seu
trabalho foi reconhecido pelo povo do Rio Grande do Sul, ao ser escolhido por
voto espontâneo, como um dos “20 Gaúchos que Marcaram o Século XX”, colocando-o
entre exponenciais figuras como Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, João Goulart,
Erico Verissimo, Mario Quintana, Barbosa Lessa e outras personalidades.
Nacionalmente foi distinguido pelo então presidente da República Fernando
Henrique Cardoso com a Comenda da Ordem ao Mérito Cultural por serviços
prestados à cultura brasileira.
Do
governo do Estado do Rio Grande do Sul recebeu a Medalha Negrinho do Pastoreio
como reconhecimento por serviços prestados à cultura e a Medalha Assis Brasil
em destaque por seu trabalho em prol da agropecuária. Por sua atuação nos mais
diversos segmentos, igualmente recebeu significativas homenagens e distinções
por diferentes entidades das áreas de ensino, da cultura, das artes, da
literatura, das representações governamentais, da agropecuária, da economia, da
religiosidade e da representação popular.
Igualmente,
empresta seu nome a museu, a CTG, a praça e a premiações em distintos
municípios gaúchos. Convidado pelo consagrado escultor Antônio Caringi, em
1954, Paixão Côrtes teve a honra de posar, com suas roupas campeiras e laço de
14 braças, para o artista esculpir a estátua O Laçador, que inicialmente foi
colocada em gesso na exposição em comemoração do IV Centenário de São Paulo. Em
1958, a obra escultural eternizada em bronze foi erguida em praça pública à
entrada de Porto Alegre, sendo deslocada, em 2007, para o Sítio do Laçador.
Recentemente,
sua Santana do Livramento homenageou-o com obra estatutária de Sérgio Coirolo,
colocada na entrada da cidade, saudando o visitante da fronteira. Paixão
Côrtes, que iniciou suas pesquisas folclóricas junto com Barbosa Lessa ainda no
final da década de 40, desenvolveu um notável trabalho de “garimpagem” junto ao
genuíno homem do campo por perdidos rincões do estado gaúcho. No transcorrer do
tempo, necessitou custear, às expensas próprias e sem auxílio de qualquer órgão
governamental, os filmes, as fitas magnéticas e os equipamentos — gravadores,
filmadoras e máquinas fotográficas — utilizados para registrar um fértil
manancial da cultura popular gauchesca.
Deste
trabalho como pesquisador no nosso Estado, em outros estados brasileiros e em
diversos países da América Latina e da Europa, resultou um acervo de milhares
de slides, de centenas de fitas gravadas, de horas de filmes em super 8 e em
VHS, de raros registros fonográficos da Casa A Eléctrica, pioneira produtora do
selo gramofônico Discos Gaúchos, e de inúmeros documentos sobre os hábitos e
costumes rio-grandenses.
Tendo
como foco a divulgação deste material, colaborou com diversos artigos para
jornais e revistas, apresentou teses aprovadas em Congressos Tradicionalistas e
de Pesquisadores da Música Brasileira, palestrou em simpósios e encontros
culturais, participou de programas de rádio e televisão, colaborou com
documentários, entre outras atividades culturais.
Profissionalmente
realizou cursos sobre tradição, folclore e danças tradicionais, ensinou
professores em especializações em faculdades, realizou espetáculos de danças e,
como radialista, utilizou seus programas, ao longo de quatro décadas para
propagar seus estudos e para oportunizar espaço para manifestação da cultura
popular do homem do campo. Desenvolveu nas últimas décadas o Projeto Mogar
(Momento Gauchesco Artístico Cultural Rio-grandense), no qual editou, com
textos e fotos do seu acervo pessoal, cerca de quatro dezenas de livros,
opúsculos, folhetins, e fôlderes, num total de 350 mil publicações que estão
sendo distribuídas gratuitamente para enriquecimento cultural de bibliotecas
públicas, de entidades educacionais, de Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), de
grupos artísticos, de escolas e de diversos grupos propagadores da cultura
gauchesca.
Assim,
em 70 anos de múltiplas atividades, Paixão Côrtes sempre foi um tropeiro
cultural. Se em um momento estava em terras europeias cantando e dançando a
alma da sua terra, em outro estava pesquisando e resgatando as manifestações
autóctones do povo sulino, para, em seguida, estar transmitindo e divulgando-as
pelos diversos rincões do Brasil, contribuindo, assim, definitivamente na
formação da identidade do gaúcho rio-grandense.
Chegando
aos 90 anos de idade, decidiu recolher-se na intimidade do convívio familiar.
Vai dar uma pausa na sua atuação como homem público, pois os anos de tropeada
lhe causaram desgastes de saúde. Já não consegue atender igualmente a todas as
demandas e não quer preterir ninguém, mas precisa se fortalecer. Espera que
compreendam sua decisão. A sua figura pública sempre foi agente de uma ideia,
que foi plantada em solo fértil, e propagou nas novas gerações. Que estas sejam
responsáveis pelos novos frutos.
Ele
segue observando, organizando e enriquecendo seu extenso acervo documental de
pesquisas. O Tropeiro da Tradição agora segue “a despacito”, no ritmo do seu
tempo, a trançar outros tentos. Agradece a todos as mais diferentes
manifestações de carinho que continua recebendo.
Porto
Alegre, 2 de julho de 2017